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Cosplay: arte ou não?

Conheça mais sobre a arte de ser um cosplayer. Acompanhe seus desafios e histórias interessantes. 

Fantasias coloridas, maquiagens inusitadas e muita animação. Parece até Carnaval, mas são só os cosplayers. Essas são pessoas que se vestem como personagens de jogos, animes, filmes e séries por diversão ou necessidade. Essa indústria do entretenimento fez girar um mercado inteiro especializado nessa prática, com novas profissões, e pessoas vivendo dos prêmios em dinheiro que são dados em concursos e eventos.

Créditos: Calvet Fotografia - Perdendo Tempo Animes

REPORTAGEM: Larissa Mendes e Luana Feliciano

IMAGENS: Gustavo Barreto

EDIÇÃO: Lucas Barreto

FINALIZAÇÃO: Gabriella Motilia

Rubens O’Donnel, 37 anos, de manhã, super-homem à noite. O cosplayer foi contratado pela Warner Bros para viver o personagem em eventos e festas. “Eu comecei trabalhando numa agência fazendo personagens vivos e sempre escutei muito que pareço com o Christopher Reeve. No ano passado, mais ou menos no meio do ano, eu vi que tinham postado no Facebook pedindo alguém para fazer Superman de uma grande empresa. Então foi assim que realmente abriram as portas para eu engrenar nessa carreira. Depois da Warner percebi que poderia levar isso mais para frente e investir”, conta Rubens.

Rubens O'Donnel caracterizado como o personagem Super-homem

Além daqueles que trazem personagens fictícios à vida real, existe o time que fica por trás da cortina. São costureiros, maquiadores e produtores de cosplayers. Por meio desse novo contexto, uma profissão antiga como a de costureira pôde ser reformulada para caber nas necessidades atuais. A Ivanete Chaves, de 63 anos, confecciona fantasias sob o codinome de Mommy Cosplayer nas redes sociais.

 

“Começou como uma brincadeira. Eu fiz uma Ravena para minha filha, ela foi para um evento. As pessoas gostaram e começaram a me pedir. Eu comecei a fazer, me envolvi nisso, estou até hoje e estou gostando”, explica. 

Ivanete não é a única a alterar sua especialização devido ao sucesso dos cosplayers. Após costurar um traje de cosplay para uma das filhas e ver o resultado premiado em um concurso de fantasias, a sergipana Glaucia Souza Santos, 45 anos, resolveu deixar para trás a loja de artesanato em Aracaju e investir em um novo negócio.

 

“A roupa que fiz pra ela foi da personagem 'Chii' da série 'Chobits'. Eu já gostava de trabalhos manuais e de pintura. Com o sucesso que a fantasia fez, comecei a vender cosplays na minha cidade, depois abri uma página no Facebook, um site, e hoje tenho clientes no Brasil inteiro e ainda exporto para Dinamarca, França, Argentina e Itália”, conta Glaucia em entrevista ao entretenimento Uol. Ela está no ramo de cosmaker (profissional que confecciona roupas de personagens) há seis anos.

“No ano passado, vendemos um 'Buzz Lightyear' de 'Toy Story' para um grupo de teatro do Rio por R$5.900. E já fiz orçamentos de até R$10 mil, de personagens dos 'Cavaleiros do Zodíaco' e do 'League of Legends', que têm armaduras gigantes e, por isso, mais caras”, revela Glaucia, que atualmente coordena seis funcionários na empresa Sakura Cosmaker.

Cada encomenda leva de uma semana até cinco meses para ficar pronta, dependendo da complexidade, do nível de detalhamento e da quantidade de acessórios. O material, então, é enviado aos clientes por avião ou correio. As medidas de tórax, cintura e quadril são informadas via internet, e Glaucia também pede fotos de corpo inteiro das pessoas para ter uma noção melhor do tipo físico delas. “Os clientes pagam caro, mas são muito exigentes, tudo tem que ficar perfeito. A maioria não quer saber de preço, mas de realismo e qualidade”, avalia a cosmaker, que atende gente de 14 a 60 anos.

Foi pela falta de opções no mercado que a paulistana de ascendência italiana Aline Giangarelli, 28 anos, decidiu investir na profissão de cosmaker, em 2013. Desde a adolescência ela já se vestia de cosplay em eventos, e quem confeccionava suas roupas era uma tia costureira.

 

“Acabei aprendendo com ela, e primeiro foquei em pequenos acessórios, como luvas e cintos. Comecei bem amadora mesmo, inicialmente era só para mim. Mas aí fiz um curso de especialização, porque os clientes prezam muito pelos detalhes e pelo conhecimento sobre o universo dos personagens. Até a cor de um botão importa”, destaca Aline, que vende seus trajes via internet por uma faixa de preço entre R$120 e R$600.

A maioria dos cosmakers que ela conhece também é cosplay, ou seja, entende a fundo dos personagens, muito além do que se pode ver numa foto. “Hoje eu vivo disso, faço roupas em uma semana até 60 dias, dependendo da agenda. Quando há eventos (como Comic-Con, Anime Friends e Brasil Game Show), a lista de espera aumenta”, conta Aline. Segundo ela, 60% dos pedidos que recebe são para trajes de heróis do game 'League of Legends', seguido por encomendas dos animes 'Naruto' e 'One Piece'.

Cosplay feito pela Mommy Cosplayer

Cosplay feito pela Mommy Cosplayer

Cosplay feito e vestido por Aline Giangarelli

As minúcias do mundo cosplay

Créditos: Calvet Fotografia - Perdendo Tempo Animes

Outros profissionais não dedicam tempo integral aos trajes de cosplays. O técnico em informática carioca Thiago Moreira, 32 anos, por exemplo, é cosmaker nas horas vagas desde 2000. “Meu interesse inicial foi fazer meus próprios itens. Hoje trabalho com vários tipos de maquinário industrial”.

 

A maioria dos pedidos que Thiago atende são de armaduras e espadas. “Os valores que cobro são, no mínimo, 100% em cima do que gasto com materiais. Para ser bom nisso é preciso ter dedicação, gostar de criar, seguir fielmente as referências dadas pelos clientes e terminar tudo no prazo. As mudanças que ocorrem hoje na área são principalmente tecnológicas e de novas opções de matérias-primas”, analisa Thiago.

Uma escolha de carreira tão longe da tradicional pode ser arriscada. Contudo, um levantamento feito pela Universidade de Chicago mostra que as carreiras que abrigam os profissionais mais felizes não oferecem salários milionários. Ana Carolina Lynch, coach de carreiras, comenta que o diferencial de profissões como cosplayer é o orgulho e coerência trazidos da vida pessoal para a profissional.

O cosplay vai além de um simples 'hobby'

Apesar deste novo caminho profissional já gerar renda para algumas pessoas, ele ainda não é uma profissão reconhecida, e por isso, é inevitável que haja algum preconceito sobre a atividade. Gláucia Motilia, 16 anos, é cosplayer por diversão, já se vestiu de 'Tenten', personagem do anime 'Naruto', e 'Tauriel', a elfa arqueira de 'O Hobbit'. Ela conta que já foi questionada e chamada de infantil por representar as personagens, mas que isso não a impediu de continuar a fazer o que ama. “As pessoas perguntam por que eu faço isso, e dizem que eu estou jogando dinheiro fora. Meus próprios pais reclamam, mas isso não me fez parar porque sempre tive mais pessoas a favor do que contra. Então, só posso dizer que me trouxe, na maior parte do tempo, coisas boas”.

Cosplayer Gáucia Motilia fotografada por: Calvet Fotografia - Perdendo Tempo Animes

Nem coisa de criança, nem traço exclusivamente da cultura japonesa. O cosplay é entendido hoje como o hobby de incorporar um determinado personagem – extraído de um anime, banda, mangá, quadrinho, filme ou jogo de videogame – e interpretá-lo rigorosamente tanto no vestuário como na personalidade e no modo de agir. Os cosplayers Jessica Campos e Gabriel Niemietz, ambos campeões de 2008 do World Cosplay Summit (WCS), principal competição de âmbito global, e Edi Carlos Rodrigues, coordenador do WCS no país e gerente da JBC, uma das maiores editoras brasileiras de mangás, falaram um pouco sobre a temática para a revista online “Sesc de São Paulo”.

“Sempre gostei da ideia de que o cosplay seja um exercício livre. Para mim não importa o investimento financeiro na criação, o tipo físico que você possui ou se conhece de A a Z aquele personagem. O mais importante é que esteja curtindo interpretá-lo”, defendeu Jessica.

“Há quem goste de se produzir para tirar fotos ou para andar por eventos, ser reconhecido e admirado. Mas há quem seja como eu: goste de produzir uma apresentação, subir no palco, criar efeitos e se apresentar”, completou Gabriel, que fez do hobby uma profissão e nos últimos anos se especializou na criação de personagens complexos como robôs, dinossauros ou monstros e na reprodução de acessórios como o trono da série 'Game of Thrones', sob encomenda do canal HBO. “Ser cosplay é uma verdadeira arte”, resumiram.

Participantes do 'World Cosplay Summit 2008' (LR) Jessica Moreira Rocha Campos e Gabriel Niemietz Braz do Brasil, a atriz japonesa Natsuki Kato e o Vice-ministro japonês das Relações Exteriores, Itsunori Onodera, EUA Renee Gloger e Sonnya Paz, Francês Auclair Cecile e Salviani Laura sorriem como Onodera recebe-os em seu escritório em Tóquio em 30 de julho de 2008.

Créditos: Getty Imagens 

“Ser cosplay é uma verdadeira arte”

“Acho que primeiro é legal fazer um auto avaliação. Enquanto uma coisa é um hobbie, ela se faz por poucas horas no dia sem obrigação. Mas sendo profissão, vou ter que me haver com os lados negativos, então tenho que ver se aguento esses dois lados. Quando a gente vai analisar se o hobbie deve virar profissão, tenho que ver se primeiro eu quero fazer isso sistematicamente todos os dias ou se ele só me dá prazer e eu acho legal porque é um hobby”

Falando sobre valores

Essa arte exige um certo investimento. A maioria dos cosplayers produz suas próprias fantasias, incorporando a criação à prática na cultura dos cosplays. No entanto, há quem contrate cosmakers para a produção ou ainda, aqueles que procurem montar suas peças por meio da junção de peças já prontas. Por exemplo, um cosplay da guerreira 'Lara Croft', do videogame 'Tomb Raider' pode custar pouco mais de R$200, combinando peças de preços variados de lojas como Renner, C&A, Forever 21 e pedidos fretados da Amazon.

Já um cosplay de 'Goku', protagonista do anime 'Dragon Ball Z' pode chegar a R$300, sendo a peça mais cara a peruca de penteado icônico, que custa R$99,90 no Mercado Livre, por exemplo. Existem também cosplays que não podem ser construídos com  peças que normalmente se venderiam em lojas de departamento como é o caso da 'Saori Kido', personagem de 'Cavaleiros do Zodíaco'. O único jeito de conseguir se vestir como ela sem produzir o material, é por meio do site Ali Express, em que cada uma das peças que a compõem estão à venda entre R$200 e R$300.

No entanto, é interessante notar que esse dinheiro pode sim ser um investimento, se o cosplayer participar de concursos, sempre presentes em eventos de anime. A cosplayer profissional Enako revelou em um programa televisivo japonês que em dois dias do Comic Market 90 (Comiket 90) ganhou cerca de 10 milhões de ienes, o equivalente a 87 mil euros, confirmando igualmente que sobrevive apenas do Cosplay. O Comiket (maior evento do mundo) e outros eventos de grandes dimensões no Japão são conhecidos por pagar muito bem a Cosplayers populares, e na entrevista Enako afirmou que, por evento, ganha entre 2600 a 3500 euros ou até mais de 8700 euros mês.

A prática do cosplay é algo muito maior do que quem não a conhece costuma pensar. Seja como um cosmaker, capaz de criar essas caracterizações para a vida real, ou como o cosplayer que desfila a fantasia e propaga pelo universo pop, nerd ou geek. A jornalista de cultura geek Andrea Calmon, 30 anos, explica que, por isso, os cosplayers se esforçam ao máximo para que a prática seja sempre lembrada pelos benefícios que traz às pessoas.

 

“Fantasias e adereços são simplesmente tecidos, tintas, linhas e outros materiais. Já os sonhos são o elemento lúdico que compõem as ilusões capazes de transformar tais fantasias nos catalizadores para uma vida mais amena e com mais diversão. E essa talvez seja a verdadeira essência desse universo representado pela palavra cosplay”.

Publicado em 21 de Novembro de 2017.

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